Dez anos após o referendo, é isto que pensam os portugueses sobre o ‘Não’ ao voto dos estrangeiros
Fomos ouvir as opiniões da rua sobre o polémico referendo de 2015 e o que mudaria se fosse hoje.
Tiago Rodrigues CONTACTO 4 de Junho 2025
No dia 7 de junho de 2015, os luxemburgueses foram chamados às urnas para votar em três questões de um referendo: voto dos estrangeiros, limitação de mandatos ministeriais e votação antes dos 16 anos. Em todas, ganhou o “Não”, com esmagadora maioria. O direito de voto dos imigrantes nas eleições legislativas do país foi negado com esclarecedores 78% dos votos. “A mensagem é clara e foi bem percebida”, disse na altura o então primeiro-ministro, Xavier Bettel.
Representando quase 50% da população do Luxemburgo – 47,3% em 1 de janeiro de 2024, para ser exato –, os residentes estrangeiros só podem votar nas eleições comunais, desde 2003, e nas europeias, desde 1994. Em 2022, houve uma mudança significativa quando o Parlamento alterou a lei eleitoral para abolir o requisito de residência de cinco anos, permitindo a todos os cidadãos não-luxemburgueses participar nestas eleições assim que chegam ao país.
Nas legislativas, porém, continuam sem poder votar. Hoje, dez anos após o referendo, o que pensam os portugueses sobre a decisão dos luxemburgueses? Fomos à rua encontrar a resposta. “Acho que devíamos poder votar, porque somos cidadãos iguais. Não tenho a nacionalidade luxemburguesa, mas sinto-me luxemburguês. Pago os meus impostos. Porque razão não posso votar?”, questiona Nuno Fernandes, 63 anos, 40 dos quais no Luxemburgo.
Ana Monteiro, 58 anos, também considera “injusto” que os imigrantes não possam votar. “Nós trabalhamos e vivemos aqui”, afirma a cozinheira. António Lages, 52, taxista, diz que os luxemburgueses não tomaram a “decisão certa”: “A percentagem de estrangeiros no país é enorme. A gente trabalha e devia poder votar. Fazemos a vida aqui, estamos presentes na vida política e é um direito”.
Acho que devíamos poder votar, porque somos cidadãos iguais. Não tenho a nacionalidade luxemburguesa, mas sinto-me luxemburguês.
Já Susana Silva, 46 anos, avalia a escolha dos luxemburgueses com uma palavra: “discriminação”. “Porque eles acham que se nós tivermos o direito de votar, vamos tirar-lhes o poder”, justifica a proprietária de um café na Gare. Por sua vez, o barbeiro Bruno Severino, 37, acredita que é uma “questão de identidade”. “Querem preservar o país deles. É um país com uma imigração muito forte e penso que querem reservar o seu direito de voto e serem eles a decidir o que se passa aqui ou não”.
Hoje o resultado seria diferente?
“Acho que sim”, responde Nuno Fernandes. “A mentalidade mudou e as pessoas estão mais integradas. Eu, por exemplo, sinto-me mais luxemburguês do que português, porque vivo cá há 40 anos”. Ana Monteiro é da mesma opinião: “Há mais estrangeiros e os luxemburgueses estariam mais abertos a isso”.
António Lages também nota que “há cada vez mais estrangeiros” e que isso hoje teria “mais peso”. A seu ver, os luxemburgueses iriam pensar duas vezes: “Querem encher o país e ter mão de obra mais qualificada, portanto têm que abrir em algum lado para cativar as pessoas a ficar. Este país precisa dos estrangeiros”, garante.
Acho que sim [que o resultado seria diferente]. Há mais estrangeiros e os luxemburgueses estariam mais abertos a isso.
Susana Silva não sabe se o resultado do referendo seria diferente, mas disto tem a certeza: “Sem esse direito, temos de aceitar tudo o que eles decidem. Mas se déssemos a nossa opinião, poderia ser diferente”. Já o palpite de Bruno Severino é que o “Não” voltava a ganhar com maioria, “mas se calhar não com 80%”. “Com o tempo, tem tendência a mudar. A mentalidade dos jovens é diferente. Daqui a muitos anos, acho que os imigrantes vão ter o direito de votar”, vaticina.
Segundo uma sondagem realizada em abril de 2024 pelo instituto ILRES, os luxemburgueses estariam hoje mais recetivos à mudança, com 66% dos 1.012 inquiridos a aprovar o direito de voto dos estrangeiros, sob condição de residência de dez anos. Porém, apenas 41,7% deles tinham cidadania luxemburguesa, enquanto 11% tinham dupla nacionalidade e 11% eram portugueses.
Qual deveria ser o critério para poder votar?
“Acho que as pessoas que vivem cá há 15 ou 20 anos deveriam poder votar”, argumenta Ana Monteiro, que vive no Luxemburgo há 19 anos. “Já votei nas comunais. Se pudesse votar nas legislativas, também votava”. Nuno Fernandes concorda que os anos de residência deviam ser um dos requisitos: “Não era agora chegar cá um novinho e ter os mesmos direitos que eu. Acho que o tempo mínimo deveria ser cinco anos, para conhecer o país e os políticos”.
Acho que um mínimo de 10 anos de residência no país a trabalhar deveria dar o direito de votar.
Para Susana Silva, deveria ser suficiente que as pessoas quisessem simplesmente votar. “Eu gostava de ter o poder de ir às urnas dar a minha opinião. Não é só quando nos permitem…”, critica. Bruno Severino concordaria com um tempo de residência de 15 ou 20 anos, pois “quem está cá há cinco anos não consegue ter uma visão da política”. Já António Lages considera que “um mínimo de dez anos de residência no país a trabalhar deveria dar o direito de votar”.
E o conhecimento da língua luxemburguesa, deveria ser um requisito para votar? “Acho que não. Vivo aqui há mais de 30 anos e nunca consegui aprender, porque o francês sempre foi a língua comercial e administrativa. Toda a gente fala minimamente o francês”, argumenta o taxista. Nuno partilha a mesma opinião: “Não me quero sentir na obrigação de ir para a escola para aprender uma língua que para mim não tem muito interesse. Já tentei várias vezes pedir a nacionalidade luxemburguesa, mas não consegui por causa da língua. Mas sei francês, leio o jornal diariamente e provavelmente toda a gente sabe falar”.
Bruno também não concorda que a língua seja um fator decisivo. “Não é pelo facto de não falar luxemburguês que não perceba ou que não acompanhe o que se passa no Luxemburgo. Aliás, o país tem três línguas oficiais e uma delas é o francês, que é a língua administrativa”, observa. Susana é a única entrevistada que acha que deve ser obrigatório falar luxemburguês: “Por vezes, a culpa é nossa. Mas também é porque não nos dão oportunidade. O francês é mais fácil aprender e fazer cursos”, compara.
E se o referendo fosse em Portugal? Votava sim ou não?
Imaginemos que os papéis se invertiam e os portugueses iriam às urnas para decidir se os estrangeiros teriam, ou não, o direito de voto em Portugal. Qual seria o seu voto? “Diria que sim, porque vivem no país. Tal como nós, ajudam o Governo e o país. Todos contribuímos com impostos e acho que deveríamos poder votar”, responde Ana Monteiro.
Se as pessoas estão lá [em Portugal] há mais de 20 anos, se estão enraizadas, têm filhos lá, pertencem à mesma cultura, acho que sim.
Susana também votaria ‘sim’. “Se estão lá como nós aqui, pagam os seus impostos, porque não? Acho muito bem”, afirma. António diz que “anda assustado com o que acontece em Portugal”, mas, com algumas condições, estaria de acordo: “Se todas as pessoas estiverem legais, viverem lá há uns anos e conhecerem bem o país e a política, acho que deviam participar. Andamos aqui todos embrulhados na Europa. Para que tiraram as fronteiras? Ou somos todos um, ou não vale a pena”.
Bruno segue a mesma linha de raciocínio e usaria os mesmos critérios que sugere para o Luxemburgo. “Se as pessoas estão lá há mais de 20 anos, se estão enraizadas, têm filhos lá, pertencem à mesma cultura, acho que sim. Agora fora desse contexto, acho que não”, reflete. Já Nuno daria o voto aos luxemburgueses, mas não a todos os estrangeiros. “Porque acho que a cultura e a educação não são as mesmas. Acho que os luxemburgueses sentem o mesmo em relação aos portugueses, estamos em pé de igualdade”, defende.
Já pensou pedir a nacionalidade luxemburguesa?
Embora o direito de voto nas legislativas seja apenas para os luxemburgueses, o país permite desde 2009 a dupla nacionalidade, o que significa que os estrangeiros podem adquirir a nacionalidade luxemburguesa sem terem de renunciar à sua nacionalidade original.
Nunca quis a nacionalidade luxemburguesa, porque acho que não me beneficia em nada. Mas comprei casa aqui e pago os meus impostos como toda a gente.
Entre os requisitos mais comuns para a naturalização encontram-se o tempo mínimo de cinco anos de residência, o teste de língua luxemburguesa, um curso de educação cívica, não ter antecedentes criminais graves e assinar uma declaração formal de intenção de adquirir a nacionalidade.
“Já pensei pedir a nacionalidade luxemburguesa, mas não tenho tido tempo e deixei andar”, justifica António Lages. Já Susana Silva admite que nunca quis ser luxemburguesa. “Porque acho que não me beneficia em nada. Sou portuguesa. Mas comprei casa aqui e pago os meus impostos como toda a gente”, argumenta a proprietária, voltando a criticar o resultado do referendo que dividiu o país há dez anos: “Somos considerados cidadãos de segunda. Se pudéssemos votar, fazíamos peso. Assim é muito fácil, governam entre eles”.